Reproduzimos nota de alunos de diferentes áreas das Ciências Sociais do estado do Rio de Janeiro.
De que lado estamos?
Nós, alunos de pós-graduação de diferentes áreas das Ciências Sociais do Rio de Janeiro, vimos a público nos contrapor à caracterização elaborada por intelectuais a respeito dos grupos que compõem as recentes manifestações que tomaram as ruas do Brasil nos últimos meses. São declarações para a imprensa, para corporações militares, e em congressos científicos que nada mais fazem além de generalizar o perfil e propósitos políticos de diferentes grupos empenhados na defesa de valores sociais democráticos, terminando por contribuir para a criminalização de suas ações, assim como para a repressão violenta e perseguições políticas realizadas por agentes e instituições do Estado. Em apoio à nota publicada pela Frente Independente Popular (http://frenteindependentepopular.wordpress.com/2013/09/17/o-que-e-isso-professora/), nos propomos matizar tais interpretações sobre a natureza política das manifestações desde uma perspectiva das ruas, onde temos nos feito presentes.
Distintas organizações laborais e estudantis populares e militantes independentes que compõem as manifestações se colocam contra a privatização e degradação de espaços e serviços básicos, contra a remoção compulsória de milhares de pessoas em benefício de grandes eventos e obras, contra o genocídio da população negra e indígena, pela reforma agrária, pela destinação prioritária de recursos públicos à educação, saúde e transporte. No Rio de Janeiro, particularmente, enfrentamos o número alarmante de 120 mil negros mortos e desaparecidos nos últimos dez anos, dados publicados recentemente em estudo (http://observatoriodefavelas.org.br/noticias-analises/10-mil-mortes-em-10-anos/), a expulsão truculenta pela Polícia Militar de indígenas do antigo Museu do Índio pelo governo do estado para satisfazer aos empresários da Copa do Mundo de Futebol, e a troca espúria de interesses entre empresários e governo, como é o caso dos transportes públicos. Às margens da atuação de grupos e partidos que cultivam os mesmos princípios, porém estagnados na ação institucional e recuada de intervenção na realidade social, a forma manifestação foi propulsionada nos últimos meses em proporções inéditas na história do país, tendo por objetivo fundamental denunciar as raízes sociais da profunda desigualdade e desrespeito à diversidade sociocultural que perseveram no Brasil. Em resposta, somam-se mais de dois mil detidos, dezenas de feridos graves, alguns mortos, e muitos seguem criminalmente indiciados. Há relatos de torturas e ameaças contra esses mesmos manifestantes identificados pelo aparato policial.
Agrupar manifestantes e manifestações sob o rótulo reducionista de um suposto fascismo em nada contribui tanto para uma compreensão ampliada da conjuntura, quanto para o avanço de pautas e discussões políticas defendidas, não apenas por manifestantes, mas pelos que agora vêm a público delimitar erroneamente seu perfil e suas motivações. Partindo de um reducionismo abstrato, esta análise da luta de classes no Brasil confina-se a dois pressupostos: 1) o dualismo “direita e esquerda” e 2) dados e reflexões sobre o sistema eleitoral a partir de uma perspectiva hiperinstitucional. Ou seja, sob este ângulo, posicionamentos políticos restringem-se à dicotomia “direita e esquerda” dentro do sistema partidário, e o atual sistema representativo é qualificado a priori como democrático. Assim, qualquer crítica geral aos partidos e ao sistema eleitoral é identificada como contrária à “democracia”.
Do mesmo modo, fala-se, não sem causar espanto, em “perda de poder dos ruralistas” a partir da aceitação de certas classificações sobre a composição produtiva nacional, tornando a análise novamente pobre e reducionista, por desconsiderar um importante conjunto de estudos que comprovam a centralidade do agronegócio na política macroeconômica nacional. Nos últimos dez anos foram aprovadas, por exemplo, diversas leis que favorecem este setor da classe dominante, encontrando nas recentes alterações do Código Florestal um de seus emblemas. As condições de possibilidade que culminaram na copiosa elaboração de leis ruralistas nos últimos anos são recuperadas em trabalho recente (Partido da Terra, Alceu Luis Castilho), apontando os vínculos de representantes políticos de todo o país com a posse e concentração de propriedades rurais. Ao reificar o discurso do Estado, alinha-se ao seu projeto desenvolvimentista, e contribui-se para a manutenção de uma ordem social definida hiperinstitucionalmente como “democrática”, mas que tem continuamente defendido os interesses de grandes grupos econômicos e das oligarquias por todo país.
O Levante Popular, a Revolta do Vinagre ou as Jornadas de Junho possivelmente desencadearam um novo processo de mobilização e manifestações pelo país que escapa à atuação de partidos políticos e organizações populares, sindicais e estudantis institucionalizadas. Tais enquadramentos conceituais por parte de cientistas sociais compactuam diretamente com a violenta repressão e criminalização realizada pelo Estado contra manifestantes e movimentos sociais, e com a manutenção das desigualdades sociais. Revela, ainda, a continuidade das reações autoritárias, e o apagamento deliberado da violência do Estado perante o acirramento de conflitos históricos.
Rio de Janeiro, 4 de outubro de 2013.
Assinam este texto:
Discentes do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – Museu Nacional/UFRJ
Discentes do Programa de Pós-Graduação em Antropologia – UFF
Discentes do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – UFRJ
Discentes do Programa de Pós-Graduação em Agricultura, Sociedade e Desenvolvimento – UFRRJ:
Ariane Brugnhara
Maria Luiza Duarte Azevedo Barbosa
Sérgio Botton Barcellos
Vanessa Hacon
Frederico Magalhães Siman
Rômulo de Souza Castro
Dan Gabriel D’Onofre
Discentes do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PUC:
Amanda Costa Reis de Siqueira
Claricio dos Santos Filho
Janderson Bax Carneiro
Fernanda Maria de Almeida
Paulo Emilio Azevedo
Jonas Soares Lana
Eduardo José Diniz
Alessandra Maia Terra de Faria
Olivia Nogueira Hirsch
Carla Soares
Gabriel Improta
Thelma Beatriz Carvalho Cajueiro Lersch
Paula Campos Pimenta Velloso
Guilherme Gonçalves
Marcele Frossard de Araujo
Laura de Almeida Rossi
Luisa Santiago Vieira Souto
Leonardo Seabra Puglia
Ana Carolina Canegal Pozzana
Beatriz Brandão dos Santos
Thiago Fernandes
Caroline Araújo Bordalo